Naufrágio Transcendental
Composição: Tiago Barros.Meia dúzia de rosas sangram no buquê elétrico,
a madrugada rasga o teto da minha lucidez.
Meus pensamentos colidem em órbita nervosa
e o coração implode pedindo lucidez.
O silêncio sibila profecias no escuro,
teus olhos já fazem as malas do amanhã.
Finjo não ouvir o eco do teu sumir
enquanto o tempo afia dentes de manhã.
Tua mão roça a minha como sentença lenta,
um adeus disfarçado de ternura ritual.
E eu leio nas fissuras da memória
que todo fim é um deus marginal.
Eu me desfaço em ruínas por amor consciente,
sabendo que o prazo mordia o horizonte.
Se eu abrir a porta e te libertar do peito,
que seja verdade — não ponte quebrada, não miragem, não fonte.
Deixo ir o vulto da nossa febre,
mas cada passo teu reverbera em mim.
Detesto despedidas que cheiram a eternidade
mas sorrio quando a verdade chega ao fim.
Nos dias tensos despi minha armadura,
não por fraqueza — por devoção febril.
Teu nome foi minha geografia secreta,
meu altar desmoronando em abril.
E mesmo que a lembrança fira como sal,
não nego o incêndio que nos moldou.
Ver-te partir é aceitar o eco
do que nunca realmente cessou.
Rosas giram — relógios vomitam luz —
tua ausência reverbera em parafuso.
Meu corpo aprende a ser continente
de um amor que sangra, mas é difuso.
Saliva de estrela, prece nervosa,
cada batida um parto sideral.
Te amar foi guerra, foi primavera,
foi naufrágio transcendental.
Eu fiz de tudo, diluí-me em constelações,
te amei sem exigir explicação.
Te deixo ir — mas carrego cicatrizes
que perfumam minha solidão.
E se o tempo nos cruzar em outro plano,
talvez sejamos menos furacão.
Até lá, sigo — rosa em combustão —
um coração que aprendeu a deixar ir
sem implorar redenção.
Meia dúzia de rosas.
E um silêncio que ainda respira você.
